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quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Como são produzidos os livros digitais.



 

Trabalho com livros digitais na editora Rocco, cuidando diretamente da produção dos arquivos ePub, desde as primeiras etapas de conversão à finalização dos livros. O início do meu trabalho com livros digitais, diferente do que imagino ser a experiência da maioria dos profissionais da área, se deu ao mesmo tempo da minha entrada no mercado editorial. O que isso significa, entre outras coisas que serão exploradas com mais cuidado em textos futuros, é que meu aprendizado sobre os “bastidores” da produção dos livros impresso e digital ocorreu simultaneamente.
Se antes eu estudava/trabalhava de casa – cuidando das etapas de produção técnica dos livros digitais (conversão de formatos, edição de imagens, finalização dos arquivos etc.) –, ao começar a trabalhar em uma editora eu comecei a conviver com pessoas que diagramam, revisam, preparam, fazem copidesque, leem e escolhem os livros que serão publicados.
Obviamente fascinada com essas pessoas e seus trabalhos, não consegui me furtar a querer conhecer seus ofícios, habilidades, trajetórias, sua formação e o que fizeram antes de chegarem à nossa atual editora. Minha surpresa foi enorme quando percebi que a curiosidade era recíproca. Porém, maior foi a surpresa de perceber que essa curiosidade era gerada pelo fato de elas – apesar de trabalharem com livros há anos – também desconhecerem o meu trabalho, tanto quanto eu desconhecia o delas.
Rapidamente eu descobri que as perguntas que eu escutava no meio editorial não eram muito diferentes das que meus amigos e conhecidos fazem quando eu conto com o que trabalho.
As dúvidas sobre o processo de produção do livro digital são das mais variadas. Perpassam questões pertinentes – que me fazem pensar sobre meu ofício e sobre como as pessoas entendem a introdução de novas tecnologias em seus hábitos, acelerando mudanças sociais como um todo – e, também, pelo senso comum, no qual o processo consiste em apertar um botão que transformaria magicamente um texto em um livro digital.
Ou seja, de acordo com o “imaginário coletivo” sobre a produção de livros digitais, eu chego na editora pela manhã, abro o arquivo de um livro que está revisado, diagramado e pronto para ir à gráfica e clico em “salvar como”. Pronto!, o resultado desse rápido processo é o livro digital. Conversando com outros companheiros de ofício, sempre brincamos com a ideia de um botão mágico que converte todos os formatos, produz e-books instantaneamente e nos transforma em meros apertadores de botões, tal como Charles Chaplin em “Tempos Modernos”.
Felizmente – pelo menos para mim, que gosto imensamente do meu trabalho – não existem botões mágicos, e os tempos de produção fordista já passaram há algumas décadas. Eu chego na editora pela manhã e, sim, abro o livro que já está revisado, diagramado e pronto para ir à gráfica. Tais arquivos estão, em sua maioria, nos formatos .pdf, .indd ou .p65 (compatíveis, respectivamente, com os programas Adobe Reader, InDesign ou Pagemaker). Porém, eles não estão diagramados para virar automaticamente um livro digital. A primeira etapa da conversão, portanto, acontece nesse momento, quando eu exporto o texto de um desses programas para .rtf, o Rich Text Format. Este formato é lido pela maioria dos programas de texto e aceito por todos os sistemas operacionais. Eu utilizo o LibreOffice Writer – um editor de texto gratuito e de código aberto – para abrir o meu documento .rtf e nele é que faço a formatação de caracteres e parágrafos, sempre tendo em vista o projeto gráfico do livro. Esse trabalho pode ser mais rápido ou mais demorado, dependendo da diversidade de estilos do projeto e de como o arquivo foi fechado antes da impressão. A conversão para o formato ePub é feita pelo próprio Libre, através de uma ferramenta acoplada a ele com esse objetivo, o Writer2ePub, criado por Luke Calcinai. Em seguida eu utilizo outro software livre, o Sigil, para abrir o novo arquivo e, então, editar as características finais do livro: tamanhos de fonte, espaçamentos, capitulares, títulos etc. Muitas vezes é necessário editar imagens e pensar (e fazer!) alterações mais complexas, tais como tabelas ou remapeamento de fontes (através do FontForge, um programa também aberto usado tanto para criação quanto para edição de fontes). Finalizada essa etapa, eu envio o livro para ser cotejado externamente e, após a entrega dos relatórios de revisão, aplico as emendas sugeridas. Só então posso testar o arquivo em todos os aplicativos – e-readers, tablets e smartphones – que estiverem à disposição.
Ainda estamos longe de ter um botão mágico, e diariamente as perguntas pipocam ao nosso redor. Receosas ou admiradas, ingênuas ou sagazes, curiosas ou indignadas, todas as dúvidas são válidas e cada explicação deve ser dada com cuidado e atenção. Desmistificar o trabalho de produção do livro digital é fundamental, dentro e fora das editoras. O e-book é um mistério para todos, uma novidade constante tanto para leigos quanto para os profissionais mais experientes das editoras, mesmo aqueles que trabalham diretamente com ele. Acredito que um dos propósitos deste site seja ajudar neste processo. Certamente alguns textos publicados no Colofão serão mais técnicos, mas a lembrança de que somos todos neófitos e de que os questionamentos são fundamentais nunca deve ser esquecida.
escrito por Joana De Conti

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